Depressão pós-casamento
Casamento

Depressão pós-casamento


Depressão pós-casamento (Marie Claire)

Por Maria Laura Neves e Constança Tatsch

Depois da festa, um vazio. Uma pitada de frustração, um estranhamento. Assim se sentem muitas mulheres que se casaram após passar quase um ano preparando todos os detalhes do grande dia. A angústia pode ser sinal de um novo tipo de depressão que acontece depois da festa, durante a lua de mel ou logo que começam a morar com o marido. Marie Claire ouviu recém-casadas que enfrentaram e superaram o problema, um tabu num mundo em que as noivas se sentem na obrigação de viverem felizes para sempre

Para uma noiva ficar linda e o casamento sair perfeito, ela precisa provar o vestido e o arranjo do cabelo com antecedência. Experimentar docinhos, bolos, risotos e bem-casados de bufês diferentes. Planejar a decoração da festa e o local da cerimônia, a roupa da dama de honra, as alianças e o terno do noivo. Escolher banda ou DJ. Fazer uma lista de músicas para serem tocadas na pista. Listar os convidados. Encomendar os convites, contratar um fotógrafo e um videomaker. Convidar os padrinhos. Toda essa preparação costuma durar, no mínimo, um ano. Consome dinheiro e a alma da noiva. Quando chega o grande dia, o tempo da festa parece que voa. Horas depois, ela está descabelada, com os pés doloridos. No dia seguinte - se é que foi possível fazer jus às núpcias - dor de cabeça e ressaca. Na volta da lua de mel, o começo de uma vida a dois - e tudo o que envolve isso. Com esse choque de realidade, depois de tanta ansiedade e expectativa, pode começar um fenômeno comum entre as recém-casadas: a depressão pós-núpcias.

As mulheres modernas estão quebrando um tabu e assumindo viver um estado emocional desconfortável no início do casamento. Elas percebem que, muitas vezes, o período chamado lua de mel nem sempre é maravilhoso. Ao contrário. Os primeiros dias da vida a dois podem ser tomados pela angústia. É comum que elas tenham crises de choro nos dias que se seguem à cerimônia. Segundo a escritora americana Sheryl Paul, estudiosa dos sentimentos das noivas e autora do livro The consciousness bride (A noiva consciente, à venda apenas nos países de língua inglesa), a maioria das recém-casadas sofre desse mal. 'Elas se questionam se fizeram a escolha certa, se amam mesmo seus maridos e até o que é o amor', diz Sheryl. 'É o momento que elas percebem que tomaram uma decisão de enorme responsabilidade. Antes da festa, estavam ansiosas e enlouquecidas demais com os preparativos e não tinham tempo para pensar.' Se não encontram as respostas, a tristeza pode evoluir para depressão. 'Nesses casos, elas se decepcionam com a vida a dois, o casamento ou o marido. Sentem-se frustradas, confusas e dificilmente conseguem enxergar outra saída que não seja a separação.' Ainda não existem números oficiais de relatos desse tipo no Brasil. Nos Estados Unidos, onde o fenômeno é conhecido como post wedding blues, estima-se que 5% das recém-casadas apresentem um grau avançado de tristeza. Embora a depressão pós-núpcias faça com que as mulheres se sintam encurraladas, não é um sinal de que a relação está fadada ao fracasso. 'É um sentimento normal, resultado de uma época em que as mulheres podem questionar se a escolha de casar é certa', afirma Sheryl. Leia a seguir depoimentos de duas mulheres que enfrentaram e superaram essa dor.

Fernanda começou a escrever um blog de tanto que gostava de falar em casamento

'Senti um vazio. Gostava demais dos preparativos'
Fernanda Floret, 31 anos, gerente de produto
Sempre adorei festas. Tudo para mim é motivo de celebração, mas não tive festa de 15 anos, nem de formatura, por isso encarava o casamento como a chance de fazer um grande evento. Namorei por quatro anos e meio, até que, no dia 1o de janeiro de 2007, fui pedida em casamento. Chorei tanto que nem lembro direito o que ele falou, como fez o pedido. Só sei que marcamos a cerimônia para dali a um ano e dois meses.

Mesmo sendo janeiro um mês meio parado, comecei a pensar em todos os preparativos. Como trabalho de segunda a sexta, todos os fins de semana acabaram voltados para a organização da festa. Durante a semana também era comum eu sair para ver algo na hora do almoço. O noivo não se envolveu em nada, não quis participar. E foi tudo uma correria, mas, ao mesmo tempo, uma delícia.

Montei uma pasta, comecei a comprar revistas sobre casamento. Virei expert, mergulhei totalmente no assunto. Fui pedindo um monte de orçamentos... Ia visitar os fornecedores, reformulei todos os contratos, passei noites e noites escolhendo músicas. Eram muitos detalhes, mas eu adorava.

Pensava em casamento o tempo todo. Chegava ao trabalho e contava tudo para os colegas. Até o noivo não aguentava mais. Faltando seis meses, já tinha contratado os principais fornecedores. Aí eu pensava: 'Nossa, está passando rápido, não quero que isso acabe'.

Casei em 1º de março de 2008. No dia da festa estava supercalma. Tinha feito o melhor. Deu tudo certo. Curti demais a festa, dancei o tempo todo, não saí da pista em nenhum momento. Tirei foto com todo mundo. Várias pessoas falaram que nunca viram uma noiva aproveitar tanto a festa. Eu me diverti demais.

Fui embora umas 3h30, mas ainda tinha gente lá. Como meu marido não bebe, já estava cansado. Eu disse para ele que ainda era cedo. Você não quer que acabe, mas passa rápido. Um ano de planejamento se vai em algumas horas.

Fomos passar a lua de mel nas Ilhas Maurício e na África do Sul. Durante a viagem, pedia para ele esperar 15 minutinhos para eu ir ao business center do hotel para entrar na internet e ver as fotos que minhas amigas tiraram. Ele ficava louco! No meio da lua de mel eu ainda pensando no casamento. Estava um pouco neurótica, confesso.

'Chegava em casa e ia ver as fotos. Saía e só falava em casamento' Fernanda Floret

Quando voltamos, comecei a sentir um vazio porque tudo aquilo tinha acabado. Pensava: 'E agora não vou resolver nada da festa? Não vou ter que usar meu horário de almoço para fazer provas do vestido?'. No primeiro mês depois da festa, ainda vivi um pouco o clima porque tinha os presentes para abrir, trocar e curtir, a seleção de fotos para fazer. Enfim, continuava só falando de casamento e queria saber a opinião de todo mundo. Tinha mesmo gostado daquela rotina.

Depois, o vazio se aprofundou. Queria continuar vivendo naquele mundo encantado. Chegava em casa e ia ver as fotos. Saía para jantar com os amigos e só falava da festa. Meu marido percebia, claro. Outros homens teriam se cansado, mas ele realmente é muito tranquilo, alto-astral. Não conseguia me desapegar do assunto, então, como quem gosta de falar de casamento é noiva, me aproximei de pessoas que iam casar. Entrei em comunidades de casamento do Orkut. Dava opinião, ajudava, indicava fornecedores, mostrava fotos. As pessoas falavam que eu devia trabalhar nesse ramo, mas sou realizada profissionalmente e amo meu trabalho. A nova paixão acabou virando hobby quando uma amiga me incentivou a fazer um blog sobre casamento. Comecei naquele dia mesmo. É muito gratificante ajudar.

Faz um ano e meio que casei e ainda não consegui me desapegar do tema. Essa foi a forma que achei de evitar aquela nostalgia ruim e não ficar incomodando meu marido. O blog vestidadenoiva.com agora tem 1.300 acessos por dia, sendo mil visitantes únicos. Achei que uma hora não ia ter o que dizer, mas ainda tenho. Antes postava toda noite. Agora, entro nos finais de semana e deixo posts programados para serem publicados ao longo da semana. Já teve domingo que fiquei cinco horas conectada. Meu marido não reclama porque tem o hobby dele também. Enquanto penso em casamento, ele joga videogame.


Adriana e o marido tiveram dificuldade em
se adaptar à vida de casados

'Não queria enxergar que estava infeliz já no segundo mês'
Adriana Jen, 25 anos, publicitária
Tinha oito anos de idade quando conheci meu namorado numa aula de chinês (somos filhos de imigrantes taiwaneses). Estudamos alguns meses juntos e depois perdemos contato. Seis anos depois, quando tinha 14 e ele, 16, nos reencontramos por causa de uma amiga em comum. A primeira vez que ficamos foi em um shopping, nos apaixonamos e logo começamos a namorar. Durante dez anos sonhamos com o nosso casamento. No réveillon do nosso último ano de namoro, ele me levou de carro até uma praça em que sempre íamos, colocou a nossa música para tocar e fez um discurso. Disse que me amava e que todos aqueles anos juntos só o fizeram ter certeza de que eu era a mulher da vida dele. Depois, tirou uma caixinha com alianças do bolso e perguntou se eu queria me casar com ele. Respondi que sim, claro. Nos abraçamos e choramos. Sabia que ele me pediria em casamento. Mas não esperava que fosse naquele momento.

Os preparativos para a festa duraram um ano. Decidimos que seria em um casarão em forma de castelo, em uma cidade do interior de São Paulo. Usei quase todo meu tempo livre para organizar tudo. Todos se divertiram muito durante a festa. Menos eu. Sequer comi. Fiquei posando para fotos, recebendo parabéns e dei uma dançadinha. Quando percebi, já tinha acabado. Fomos passar a lua de mel no Caribe e em Punta Cana, na República Dominicana. Foram dias fantásticos. O lugar era lindo e estávamos embriagados de amor. Mas quando voltamos, meu pesadelo começou.

'Todos se divertiram na festa, menos eu. Sequer comi' Adriana Jen

Nosso apartamento, que estava em reforma, ainda não tinha ficado pronto. Moramos por um mês na casa dos meus sogros. Quando percebi como as relações com a família dele tinham se estreitado, fiquei angustiada. Pela tradição chinesa, temos de chamar a sogra e o sogro de mãe e pai. Aquilo era difícil para mim, por mais que eu soubesse que essa era a regra antes de me casar. Sentia que estava perdendo a minha identidade. Percebi que tinha uma dificuldade imensa em aceitar aquela nova vida.

Quando nos mudamos para o nosso apartamento, estava imundo, cheio de poeira que restou da reforma. Estávamos empolgados com nosso novo lar e arrumamos tudo em poucos dias. Na semana seguinte, comecei a cair na real. Tínhamos que dividir as tarefas domésticas e essa era uma discussão desgastante para nós. Trabalhávamos o dia inteiro - eu sou publicitária e ele é administrador de empresas - e ficávamos exaustos. Jantamos espaguete - o único prato que sabíamos cozinhar - por uma semana. A casa começou a ficar suja. A pia cheirava mal. Começamos a usar os finais de semana para organizar o lar. E eu comecei a ficar triste. Sentia falta dos tempos de namoro em que saíamos para ir ao cinema, jantar fora, de quando demorávamos dias para nos ver. Chorei escondido diversas vezes.

'Fiquei triste. Chorava escondido. Sentia falta dos tempos de namoro' Adriana Jen

Com a rotina, a relação esfriou e o diálogo minguou. Não tinha coragem de contar o que sentia a ninguém, nem para ele. Primeiro porque era difícil para mim aceitar que aquilo estava acontecendo. Não queria enxergar que não estava feliz no segundo mês do casamento. Todos ao meu redor perguntavam como estava a vida dos pombinhos e não tinha coragem de contar a verdade. Engolia seco e dizia que estava tudo ótimo. Também tinha medo de frustrar minhas amigas porque fui a primeira da turma a casar. Além disso, tenho dificuldade em contar para os outros que estou vivendo algo dolorido porque revivo tudo enquanto falo.

Um dia não aguentei e contei para um primo próximo que meu casamento estava uma droga. Ele ficou espantado. Mas a partir desse desabafo comecei a me recuperar. Meu marido foi viajar um mês a trabalho. Hoje, acho que ele decidiu ficar longe mais por causa da nossa relação do que por compromissos profissionais. Durante esse período, percebi que ainda o amava. Decidi que jamais ficaria casada apenas por comodismo. Quando ele voltou, tivemos uma conversa séria. Falei para ele que estava disposta a tentar novamente. Ele disse que essa também era sua vontade. Ainda estamos nos acertando. Aquela angústia pesada passou e a relação esquentou. No final do mês, faz um ano que nos casamos. Queremos comemorar a vitória da primeira batalha. Agora já entendi que o primeiro ano pode ser o mais difícil de um casamento.

Adriana e o marido tiveram dificuldade em
se adaptar à vida de casados

Cadê a ostra que estava aqui?
por Marina Caruso, editora de Marie Claire
Não sei se posso chamar o que tive de depressão pós-casamento, mas a tristeza que tomou conta de mim quando subi no avião rumo à lua de mel é, no mínimo, estranha. Depois de um ano mergulhada nos preparativos do evento - me casei em novembro, numa casa cinematográfica - posso dizer, com orgulho, que minha cerimônia e a festa para 300 pessoas não poderiam ter sido melhores. No dia seguinte, no entanto, minha sensação era exatamente a oposta.

Cheguei ao aeroporto angustiada, com vontade de conversar com os amigos e de ligar para as madrinhas para saber se tudo tinha corrido bem, se a bebida estava gelada, a comida, saborosa, as ostras, bem servidas. 'Ai meu deus, as ostras!'

Bastaram dez minutos de voo e a lembrança de que eu não tinha comido nem visto servirem minhas ostrinhas - aliás, nada baratas - para que eu entrasse num descompasso emocional constrangedor. Foi uma crise de choro daquelas típicas de crianças que descobrem que Papai Noel não existe. Rodrigo, o noivo, tentava me consolar. Jurava ter visto carcaças de ostras vagando pela festa. 'Carcaças? Como assim? Eu queria as ostras! Queria comê-las, queria ver as pessoas se lambuzando'...

A aflição só passou mesmo uma semana depois, quando voltei da lua de mel, liguei para as amigas e descobri que os moluscos foram a sensação da festa. 'Só eu comi 15', disse uma. 'A fulana comeu tanto que até passou mal', disse outra. 'Pode ficar tranquila que seu casamento entrou para a história como o mais chique da turma.' Ufa! O jeito agora é armar uma segunda lua de mel para me redimir com o maridão e justificar todo o auê.




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